Saúde animal com derivados de cannabis? O respaldo em lei aos prescritores veterinários

Saúde animal com derivados de cannabis? O respaldo em lei aos prescritores veterinários

Por Dra. Maria José Delgado Fagundes
@maria_delgadofagundes

Estudos sólidos demonstram há 10 anos resultados satisfatórios para uso de compostos à base de cannabis para tratamento de dor crônica tanto em animais de pequeno como em animais de grande porte, promovendo uma excelente analgesia e conforto aos pacientes. Entretanto, assim como na saúde humana um fator observado por meio destas pesquisas é a escassez de trabalhos publicados sobre relatos de casos da utilização de derivados da planta cannabis na Medicina Veterinária, no Brasil, bem como no exterior. A escassez pode estar relacionada às restrições provenientes da legislação de cada país, visto que a legalização para o uso medicinal tem ocorrido de forma gradual mundo a fora.

Se por um lado, a ciência vem demonstrando segurança de uso para algumas patologias para a saúde animal, é de responsabilidade exclusiva do médico veterinário e do tutor a escolha da melhor opção terapêutica para a saúde do animal e a forma de garantir o acesso é por meio da prescrição do veterinário.

Como é de conhecimento público, a prescrição de tecnologias direcionadas aos animais é competência do Conselho Federal de Medicina Veterinária, conforme dispõem o artigo 10 Art. Do Código de Ética Médica do Médico Veterinário:

“Prescrever tratamento que considere mais indicado, bem como utilizar os recursos humanos e materiais que julgar necessários ao desempenho de suas atividades.” O art.6º, inciso X estabelece que informar a abrangência, limites e riscos de suas prescrições e ações profissionais, dispõe sobre a responsabilidade profissional em informar ao tutor, conforme diagnóstico a melhor terapêutica (seja para uso veterinário ou humano) para o animal e ao mesmo tempo o risco benefício do uso da tecnologia indicada;

A lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – SISNAD; define no Parágrafo Único do artigo 2º a permissão à União para autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização, respeitadas as ressalvas supramencionadas, de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas.
Como é possível observar, a lei supra citada define o uso medicinal ou científico exclusivamente, mas não o limita ao ser humano ou animal, o que poderia no cenário técnico e político ser uma oportunidade para avançarmos na ampliação da segurança jurídica para a prescrição de cannabis de uso medicinal para a saúde animal.

Pois bem.

É relevante lembrar que a Constituição Federal, no art. 5º, inciso XIII, impõe a liberdade de profissão como garantia fundamental. Entretanto há profissões em que se exige, por sua própria natureza, qualificações profissionais, as quais se referem a qualificações de capacidade técnica. São essas as profissões regulamentadas e fiscalizadas pelos conselhos profissionais e de
classe, o que me leva a concluir que a competência dos Conselhos de categoria tem em comum disciplinar, que dentre outras atividades, os critérios para a prescrição profissional para aqueles habilitados pela sua formação acadêmica são prioritários para garantir acesso especialmente aos medicamentos controlados por convenções internacionais.

Nesse cenário, o Conselho Federal de Medicina definiu critérios para a prescrição de uso humano desde 2014 e reviu o ato em 2022. Embora o teor das resoluções não atenda aos critérios garantidos pela Lei do Ato Médico aos prescritores, a iniciativa regulatória para cannabis é inaugurada no país pelo CFM.

Em 2019, a ANVISA regulou o uso medicinal para humanos de produtos de cannabis, tendo como base legal a lei que citei anteriormente aqui, por meio do ato infra legal da RDC 327/2019, e ampliou a restrição que o CFM fez aos prescritores, uma vez que o objetivo inicial foi de garantir acesso aos pacientes que necessitam utilizar a planta para fins medicinais.

Pelo levantamento aqui apontado, é conclusiva a finalidade do CFMV: orientar, supervisionar e disciplinar as atividades relativas à profissão de médico-veterinário e do zootecnista em todo o território nacional.

Então, qual seria o impedimento para que o CFMV possa regular – nos mesmos termos legais e da segurança científica descritas ao longo do texto – os critérios para que o médico veterinário possa prescrever a linha humana para animais, enquanto o MAPA não disciplina os critérios de produtos de cannabis para uso animal, assim como já acontece com outros produtos controlados?

Ao longo dos avanços observados nos últimos anos para a cannabis de uso medicinal no Brasil, toda a abordagem que já se encontra em prática no Estado, deve ser rapidamente acomodada para que inicialmente os profissionais tenham a segurança jurídica pontual para o exercício pleno da sua atividade profissional.

Por fim, é importante que o povo exerça plenamente seu exercício de cidadania, e exerça de forma imperativa a movimentação social nas diversas searas de fomento, seja ns esferas políticas, técnicas, científicas como mercadológica, com o objetivo principal de garantir o acesso também para a saúde animal.